Matéria reproduzida de: Tribuna do Norte
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Atualmente, apenas senadores e cargos do Executivo (prefeito, governador e presidente) são escolhidos nominalmente pelo eleitor. Vereadores e deputados, ainda que recebam votos diretamente, dependem da votação total do partido para conquistar uma cadeira no Legislativo. O voto distrital misto está previsto em dois projetos de lei em tramitação na Câmara (PL 9212/2017 e PL 3190/2019). De acordo com as propostas, o eleitor passaria a votar diretamente em um candidato para representar seu distrito (sistema distrital) e também em um partido de sua preferência (sistema proporcional).
Erick diz que entre ‘as alterações sugeridas estão as que remetem à consolidação do fim das coligações’
Qualquer alteração promovida na legislação partidária e político-eleitoral tem de respeitar o princípio da anualidade, a fim de que possa valer nas eleições gerais de 2022. Alguns temas são polêmicos e chamam a atenção da classe política e dos eleitores, como a adoção do voto auditável, que está gerando uma crise entre operadores e protagonistas do sistema político-eleitoral brasileiro, em virtude de declarações do presidente Jair Bolsonaro com ameaças às eleições, ou mesmo a deliberação no Congresso Nacional sobre a criação do chamado voto “distritão”, que já tem parecer favorável a sua aprovação desde o dia 05 de março na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
Especialista em Direito Eleitoral no Rio Grande do Norte, o advogado Erick Pereira avalia que “demonstrações cabais das dificuldades de se empreender uma reforma política significativa no país, são as reiteradas minireformas que têm sido feitas, com resultados igualmente minis”.
Mas, Erick Pereira diz que mesmo “em período tão conturbado da vida política do país, não custa insistir na esperança e no otimismo, o que implica a espera de uma agenda mínima imposta pela sociedade ao Congresso Nacional, para acarretar mudanças alentadoras para a nossa imatura democracia, afinal não se pode esperar que o protagonismo do Judiciário em si, conserte os descaminhos da política e do legislativo no país”.
Erick Pereira exemplificou que “é importante haver uma reforma ampla e estruturante, mas enquanto isso não vem, que se ajuste essa vontade genuína do eleitor através desse voto “distritão”, o qual, explicou, “é uma forma de compensar essa crise de representatividade que hoje existe no país e que mesmo com o fim das coligações partidárias, continuou a se demonstrar, na última eleição (2020), que a representatividade não é aquela vontade genuína do eleitor”.
“Embora pareça existir um consenso sobre esse voto, sobre essa sistema de voto ‘distritão’, há inúmeras discordâncias com relação a essa modificação, que devem ser debatidas no âmbito de uma reforma política, que eu espero que seja feita até o início de outubro, porque do contrário não valerão para as próximas eleições”, acrescentou.
Ele disse também que “as principais alterações sugeridas, remetem à consolidação desse fim das coligações, essa adoção da cláusula de barreira mínima, que vai impedir essa baixa representatividade de alguns partidos, são os pontos mais importantes”.
O advogado Erick Pereira disse que a partir da Constituição Federal de 1988, adotou-se o sistema majoritário de dois turnos para a escolha do chefe do Executivo (presidente da República, governadores de Estados e prefeitos de municípios com mais de 200 mil eleitores), e o sistema majoritário simples, como é conhecido o voto distrital, passou a ser adotado nas eleições dos senadores e de prefeitos em municípios com menos de 200 mil habitantes.
‘Então essa ideia do voto distrital já existe para as eleições do Senado Federal e prefeitos desses municípios com menos de 200 mil votantes e esse ‘distritão’ que querem aplicar às eleições legislativas, que atualmente são proporcionais, é uma forma de garantir a vontade genuína do eleitor, porque se divide cada estado pelo número de cadeiras de deputados federais e cada estado pelo número de cadeiras de deputados estaduais”, explicou.
Assim, esclarece Erick Pereira, no Rio Grande Norte seriam criados oito distritos para as eleições de deputado federal e 24 para a de deputado estadual: “É dentro dessa linha que se tem o chamado voto distrital, sendo estendido para as eleições proporcionais”.
Para ele, a grande preocupação também “é saber se o ‘distritão’ irá acabar com as minorias e outra preocupação é se essa inércia da política na sociedade durante esse período de escolha para se debater o ‘distritão’, porque ninguém discutiu com a sociedade o ‘distritão’, teria que haver um maior amadurecimento, pra que se pudesse aprovar ou modificar a lei”.
Com atuação destacadas nas Cortes Eleitorais em Natal (TRE) e em Brasília (TSE), o advogado Erick Pereira cita o ex-ministro Vitor Nunes Leal, o qual dizia “há muito tempo que quem lida com leis, é como armazenar explosivos”. Já Maquiavel afirma, segundo Pereira, que “o pior momento dentro do ordenamento jurídico é quando se está fazendo modificações na lei”.
Por essas razões, Erick Pereira acha que “essa modificação do ‘distritão’ merecia um maior debate, essa é a maior crítica que faço, como é que os políticos, os gestores do nosso ordenamento jurídico, os parlamentares vão fazer uma reforma política sem nenhum debate com a sociedade e organizações que temos, como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), trazer o distritão e querer depois, simplesmente, que o cidadão não faça uma crítica, nós iremos participar do processo de uma eleição, cujo voto ‘distritão’ poderá modificar toda a nossa forma de escolha”.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, criticou a proposta do “distritão”, modelo de votação em discussão na Câmara dos Deputados para substituir o sistema proporcional pelo majoritário, que considera apenas os nomes mais votados. Em sessão de debates temáticos do Senado, que discutiu possíveis ajustes na legislação eleitoral, senadores e o ministro avaliaram que o “distritão” fragiliza os partidos. Pelo modelo atual, deputados são eleitos pelo sistema proporcional. Nele, as vagas são definidas de acordo com o número de votos para cada partido e o quociente eleitoral. Já no “distritão”, os deputados com o maior número de votos em cada estado ganham as cadeiras, sem levar em conta o total obtido pela legenda. “ O distritão não barateia as campanhas, talvez encareça, ele enfraquecerá os partidos e ele será dramático para a representação das minorias”, observou Barroso. O ministro acrescentou que menos de 10% dos candidatos eleitos para a Câmara dos Deputados conseguem os votos necessários por conta própria.
“Como há muito preconceito com a lista fechada, o TSE propôs uma fórmula em que o eleitor vota na legenda se quiser, e segue-se a lista partidária, mas o eleitor também pode votar no candidato. E, se o candidato tiver o coeficiente eleitoral próprio, ele fura a lista”, explicou, ao falar de um modelo de votação similar ao distrital misto, mas com adaptações. Barroso escolheu São Paulo para exemplificar como seria o modelo. Segundo ele, as 70 vagas na Câmara dos Deputados e os pouco mais de 33 milhões de eleitores do estado seriam divididos em 35 distritos eleitorais.
“O distritão só tem desvantagens. No mundo inteiro você vota no partido. O Brasil é exceção. Em nenhum país do mundo o seu companheiro de partido é seu adversário. Enquanto nós não resolvermos essa questão, nós vamos ficar rodeando, fazendo reforminha e tal e não vamos atacar o problema principal. Se nós queremos votar no candidato, nós temos que restringir o local”, avaliou o senador Marcelo Castro (MDB-PI). Apesar de concordar com a ideia de mudanças na legislação eleitoral, Castro ressaltou que o “distritão” aumenta a fragmentação nas casas legislativas e o “personalismo”, segundo ele, dois dos problemas atuais do sistema eleitoral. O senador defendeu o voto distrital misto no qual os eleitores têm dois votos: um para candidatos no distrito e outro para as legendas. O mesmo modelo é utilizado na Alemanha.