Sopesar dois ou mais lados de uma história é trabalhoso, mas justo e corajoso


Vivemos tempos suspeitosos em que todo cuidado é pouco com as palavras usadas, às vezes tão somente insinuadas. Daí ser difícil entender porque a prudência, virtude tão recomendada, especialmente em contextos policialescos, anda escassa diante dos temores das delações. Ainda mais quando se considera que alvos previsíveis não conseguem evitar a própria verborragia no trato de questões temerárias.

Conversar sobre temas arriscados mediante uso de metáforas e ambiguidades pode parecer perspicácia, mas também menosprezo pela inteligência dos ouvintes ocultos, facilmente irritáveis. Porém, como em quase tudo na vida, nada é o que parece, sempre há lugar para a produção de narrativas que se prestam tanto à defesa dos falantes desinibidos quanto à incriminação dos grampos de delatores e investigadores. Aquele que conseguir impor a melhor versão, especialmente para a Justiça e a opinião pública, será o vencedor.

Sob tal ponto de vista, à guisa de exemplo recente, a expressão “estancar a sangria” tanto é apropriada pela defesa — interromper a paralisia econômica — quanto pela acusação — deter o avanço das investigações. O problema é que, mesmo numa conjuntura de caos político e ético em que a reputação e o benefício da dúvida são mercadorias raras, “à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.

A opinião pública, já habitué do seriado “Game of Moro”, vive à cata de causalidade, ávida por identificar índoles e intenções nos agentes apontados. Por trás de palavras, entonações, apontamentos, rabiscos, bravatas e até dos abomináveis atos falhos jazem histórias plausíveis, causais, intencionais e críveis.

Considerando que é inerente à natureza humana a tendência ligeira para fazer atribuições intencionais e encontrar coerência fácil em tudo, só com grande esforço a verdade é divisada sob o acaso, o erro, a coincidência, a fanfarrice, a ambiguidade, a falta de explicação para o uso de certas palavras ou de sentido entre ideias.

Nesse estado de extremo conforto cognitivo e de credulidade, em que as interpretações são moldadas pelas primeiras impressões e evidências unilaterais, eliminamos a vigilância, a crítica, a presunção de inocência.

Torço para que um dia não sejamos vítimas difusas do processo. Que possamos nos defender a contento quando agirmos, falarmos ou julgarmos contra a maioria, mas em conformidade com as nossas convicções. Ou, simplesmente, quando a fazenda do amigo que gostamos de frequentar for tida por nossa.

Sopesar dois ou mais lados de uma história é trabalhoso, combustível para dúvidas e sangrias. Ocorre que é justo e corajoso.