Neocriminalidade banalizada


O crime organizado e a “lavagem” de dinheiro são delitos de grandes proporções na vida moderna e estão tão intimamente relacionados, que se confundem, uma vez que o branqueamento de capitais é o meio pelo qual as organizações criminosas podem dispor livremente de seus ganhos ilícitos. Esse, sem dúvida, é o resultado mais indesejado da globalização econômica, uma vez que o crime organizado corrompe as estruturas estatais e gera grande instabilidade na economia formal, representando ameaça à soberania dos Estados. Tal ameaça se constata pela força do montante que o crime movimenta e pelo poder corruptor que enseja, infiltrando-se nos negócios estatais, comprando funcionários que deveriam ser servidores públicos ao invés de comparsas das organizações criminosas.

A lavagem de dinheiro é uma forma de neocriminalização ainda pouco compreendida. Sob uma ótica pragmática, é o processo em virtude do qual um conjunto de bens de origem delitiva se integra ao sistema econômico legal com aparência de haver sido obtido de forma lícita. Ou seja, é um processo de operações destinado a ocultar a verdadeira proveniência dos benefícios ilícitos e tem como objetivo eliminar quaisquer vestígios sobre sua origem criminosa.

Os profissionais liberais, especialmente os contadores e advogados, vêm demonstrando uma grande preocupação com a prática desses delitos por parte de seus clientes. E inúmeros questionamentos têm surgido, a exemplo de como esses profissionais deveriam agir para não serem contaminados por uma eventual cadeia criminosa. Entre as recomendações, a principal é a adoção da política do know your client que já vem sendo aplicada no mundo empresarial financeiro. 

Recentemente, temos observado a realização de diversas operações, notadamente pela Polícia Federal, com o objetivo de identificar grupos criminosos e práticas de “lavagem” de dinheiro. Apesar do empenho e da competência dos órgãos de investigação, o sucesso de tais ações estará na dependência com que se pautam, especialmente, pelo respeito às leis e pela discrição. Nem sempre tal sucede. A repercussão exagerada em fase investigativa pode redundar injusta e atentatória às instituições e aos cidadãos, sendo perfeitamente possível que, no curso da investigação, seja comprovada a inocência de vários, senão de todos os investigados. Mas, dada a exacerbada publicidade que se deu no início de determinada operação, a autoridade poderá se sentir na obrigação de, posteriormente, denunciar todos os envolvidos. 

Tal abuso na difusão dos fatos banaliza o processo investigativo, retirando-lhe a seriedade e o caráter solene que deveria ter. Em um Estado democrático de Direito, não se pode pretender, mesmo sob o amparo de oportunas críticas ao Judiciário, que o escândalo e sua alma gêmea difamação sejam substitutos para a pena. Nos idos dos Setecentos, Mathias Aires, em suas Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, já advertia que “acabando tudo com a morte, só a desonra não acaba; porque o labéu ainda vive mais do que quem o padece”.

O caráter de espetáculo e escândalo não pode ser objeto de maior preocupação em detrimento de um trabalho técnico perfeito, pois equivale a abandonar o viés investigativo e substituí-lo pela repercussão midiática. E, assim, banaliza-se não só o procedimento, mas também o próprio delito de “lavagem” de dinheiro, com seu termo sendo utilizado mais das vezes em razão do seu impacto sonoro e em total dissonância com a realidade das provas colhidas. Sem um trabalho técnico prefeito, o Judiciário fica desprovido de elementos para condenar. No início, o escândalo, a superexposição dos personagens, investigadores e investigados; ao final, a frustração em face dos resultados estéreis, a impunidade dos réus.