Medos atualizados


Com as Olimpíadas, as máscaras da liberdade, da igualdade e da confraternização de culturas e classes sociais foram renovadas. Uma breve trégua que não desapertou a contento os nossos medos atuais, que extrapolam os relativos ao terrorismo global e à violência urbana.

Questiona-se: como um país como os EUA acolhe o que já está se consolidando como “trumpismo”? Mesmo que perca a corrida presidencial para Hilary Clinton – incluo-me entre os que torcem para que isso ocorra – Trump deixará legado de ideias acatado por 80% do eleitorado republicano. A agenda do pré-candidato mais votado da história do partido republicano (14 milhões de votos) não é apenas conservadora, posto que é rica em ideários radicais e populistas. Um retrocesso descabido aos notórios avanços protagonizados pela agenda do partido ao longo de sua história. 

A sanha anti-imigrante, anti-islâmica se somam à oposição à economia de mercado e à legalização do aborto, entre outros pontos. Alguns risíveis, exemplo da construção de um muro na fronteira com o México – às custas do governo vizinho – que serviria para conter a imigração ilegal que se arrasta por anos.

No cerne da agenda, uma aposta de marketing politicamente incorreto nos medos dos americanos brancos de classe média baixa que se julgam os verdadeiros herdeiros do american way of life. Afinal, nos dias de hoje soa autêntico alguém desafiar as máscaras do politicamente correto e defender abertamente a expulsão de todos os imigrantes ilegais, a proibição da entrada de muçulmanos no país e da imigração de pessoas oriundas de países afetados por terrorismo. Ou o afrouxamento de um controle de armas já demasiadamente flexível, ou a abolição de acordos comerciais.

 O “trumpismo” é uma prova do quanto muitos dos nossos medos estão relacionados à eclosão e ao acirramento de maus preconceitos. Pois vivemos tempos difíceis, em que racismo, xenofobia, misoginia, homofobia e islamofobia, entre uma fartura de temores e estereótipos negativos, viraram sinônimos de preconceitos. E embora saibamos que na prática ninguém vive sem julgamentos, sem preconceitos, sem noções tradicionais de bom e mau, belo e feio, existem os maus preconceitos que, vez por outra, substituem os bons e deterioram valores como modéstia, conciliação e respeito pelas diferenças de gênero, culturais e religiosas.

  Forma-se, assim, um caldo propício ao populismo radical trilhado por nacionalistas que seduzem até povos que tradicionalmente prezam o igualitarismo e a liberdade. Um populismo fácil que, para horror das elites conservadoras moderadas, tem o condão de acalmar medos e simular virtudes. 

O mundo estaria mais tranquilo sem a insistência de Trump rumo ao poder. Bastam os demagogos fanfarrões, narcisistas, ameaçadores ou burlões, exemplo de Maduro e Morales, entre outros líderes “esquerdistas” latino-americanos, Kim Jong-um e alguns da nova direita europeia. Fazem menos medo ao equilíbrio de forças do planeta que a possibilidade dos EUA virem a ser governados por um imoderado em ideias e modos. 

Parece haver um consenso no sentido de que nações ameaçadas produzem anticorpos que eventualmente podem ser agressivos à ordem democrática. Nesse sentido, uma vitória final de Trump parece improvável. Mais coerente e otimista é creditar tal fenômeno à globalização e suas forças que recrudescem nacionalismos, separatismos, radicalismos e, por consequência, o risco de danos às superestruturas cosmopolitas.