Facilitando saberes


Dia 15 de outubro, Dia do Professor. Pouco a se comemorar. Num país onde abundam crises e desigualdades de toda ordem, natural que a educação estatal e a profissão de professor persistam tão aviltadas. A outrora pátria educadora não teve sucesso na missão de valorizar a categoria profissional e a educação que anda a carecer de urgente e lapidar reforma.

A trajetória da escola estatal, sob forte influência dos sindicatos, tem demonstrado a falência do ensino em vigor voltado aos mais pobres. Os resultados do Ideb 2015 demonstram que o ensino básico pouco avançou, ao passo que o ensino médio estagnou numa posição visivelmente desproporcional em relação ao privado. Ainda assim, persiste a resistência contra sistemas de avaliação e parcerias com organizações sociais. 

Daí ser bem-vinda uma proposta realista de reforma do ensino médio no país, a exemplo do almejado pela equipe da educadora Maria Helena Guimarães, do Ministério da Educação. A Medida Provisória, ainda sujeita a apreciação do Congresso Nacional, desafia corporações de professores e de escolas especializadas no preparo para o Enem, além do discurso politicamente correto e hipócrita de educação igualitária para todos, independentemente da classe social, credo e cor do alunado. Um discurso que, embora soe inclusivo, “trata-se de um pseudoigualitarismo” que promove a “igualdade da mediocridade”, segundo a educadora.

O “pseudoigualitarismo” é corroborado nos resultados do último Enem. Das 100 escolas com maior nota média, 97 são privadas. As outras três são colégios federais que, como sabemos, fazem triagem rigorosa dos seus alunos mediante vestibulares, assim com a rede privadas faz. O abismo de desigualdade mais se evidencia quando se sabe que, embora as escolas públicas representem 58,2% do total de escolas na lista do Enem, elas só respondem por 03% das 100 escolas com médias mais altas, e 4,9% das mil escolas com as maiores médias.

A reforma almejada pelo atual governo, em que pesem as críticas – as mais veementes provêm de setores não especializados ou com interesses contrários -, incorpora ideias consagradas em sistemas de países desenvolvidos, a exemplo dos EUA, Canadá, Inglaterra, Austrália e Finlândia. O cerne é a flexibilização de parte do tempo do aluno na escola, de modo a que se sinta mais envolvido e interessado em cursar disciplinas eletivas com as quais se identifique. Diferentes aptidões e vontades poderão ser assim contempladas, minimizando as tristes estatísticas relativas ao ensino médio: metade não termina e menos de 20% dos que se formam ingressam na universidade.

Onde ficam os professores? Famosa até hoje, a pergunta do filósofo Georges Gusdorf _ “Professores para que?” -, formulada em 1963, quando a televisão despontava como um atrativo meio de comunicação, trazia à baila a preocupação acerca do lugar do professor em plena época das inovações tecnológicas.

O que diria Gusdorf dos dias de hoje? Dias em que, apesar do seu maior argumento – o homem essencialmente inacabado e, portanto, a necessitar de um outro, o mestre, para seguir suas ideias e ser “mais” -, o progresso tecnológico está substituindo profissões e reduzindo a demanda por trabalhadores com alto nível educacional.

 Segundo o economista Paul Krugman, a ideia de que a tecnologia moderna elimina apenas os empregos para trabalhadores não qualificados, e de que os profissionais de alta qualificação são os vencedores, pode prevalecer nas discussões populares, mas está superada há décadas. Computadores são excelentes para tarefas manuais e cognitivas que envolvem rotina, categoria que inclui empregos qualificados – analisam rapidamente inúmeros documentos, por exemplo, realizando de maneira barata tarefas que antigamente exigiam numerosos advogados. Ter um diploma superior, portanto, não é mais garantia de um bom emprego pois pode representar o ingresso em atividades que não mais existem ou que não pagam salários condizentes com o status de classe média.

Remetendo a Gusdorf, falecido há 16 anos, ainda resta espaço para o mestre que, a partir de sua própria situação face à verdade, procura despertar os seus discípulos para a consciência de sua verdade singular? Um mestre que seja um eficiente facilitador de saberes de modo a propiciar a assimilação pelos seus alunos? Que não seja “repetidor de uma verdade pronta”, que abra uma perspectiva sobre o caminho rumo ao verdadeiro que ele designa? A se afirmar positivamente tais questões, em plena era de (má) educação em massa, pomos fé em relações humanas dialógicas, igualitárias, respeitosas e pautadas por confiança, particularmente, a relação de pessoa a pessoa profe ssor e aluno.

Num mundo pouco fragmentado em que o progresso tecnológico também devora profissões qualificadas, o professor ainda é essencial a qualquer projeto que pretenda resgatar uma população de jovens que desistem da escola, expondo-os à igualdade de oportunidades conforme suas capacidades e anseios.