Cooperação, solidariedade


Uma vez amadurecidos, sabemos que sempre podemos extrair benefícios do convívio social, pois somos seres buscadores de cooperação. Mas tal procura resulta da vontade própria, autodeterminação? A ciência fala em instinto de reciprocidade. 

A evolução, essencialmente, é uma questão de competitividade e origina instintos de cooperação e ajuda mútua. Não somos criaturas egoístas extremas, exemplares fiéis das teorias de Malthus, Hobbes e Maquiavel. Também não nascemos bons e virtuosos, embora corrompíveis por força da sociedade, arquétipos das ideias de Rousseau, Platão e Kropotkin. A sociedade não é uma simples invenção de pensadores e, a exemplo do nosso corpo, evoluiu como parte da nossa natureza, produto dos genes. É, portanto, muito mais complexa do que supõem todas as filosofias brotadas sob o sol. 

Para Adam Smith, os benefícios sociais decorrem dos vícios individuais; a cooperação e o progresso resultam não da bondade, mas da busca do interesse próprio. Ou, em linguagem moderna, a vida não é um jogo de soma igual a zero, em que há um ganhador e um perdedor. Embora cada um de nós aja por interesse, nem por isso deixamos de beneficiar a nós próprios e ao mundo. Nem tanto a Hobbes, nem tanto a Rousseau. Não somos anjos, mas praticamos boas ações em prol da sociedade, a qual deve sua origem à reciprocidade – apesar de inerente à nossa natureza, tal predisposição pode ser reforçada pela educação. Em suma, “um ato de bondade merece outro”. Faz tempo que a teoria dos jogos assim demonstrou. Faz tempo que a seleção natural assim decidiu.

Indivíduos guiados pelo interesse pessoal podem trabalhar pelo bem comum, numa espécie de cooperação que independe de imperativos éticos, tabus e coações. E quanto mais estável e repetitiva for a interação entre indivíduos, maior a possibilidade de cooperação entre eles; quanto mais fortuita, menor a cooperação. Daí a reciprocidade funcionar melhor quando as pessoas se conhecem – identificam os membros que cooperam e os que trapaceiam, a quem retribuir um favor e a quem guardar ressentimento. Nas pequenas cidades e na zona rural a cooperação facilmente constrói boas reputações. Metrópoles abrigam o anonimato, facilitando a descortesia e a não retaliação de estranhos que sabemos dificilmente vamos reencontrar. Nelas, não há “sombra do futuro&rdq uo;. 

Atos de bondade e de solidariedade, por tal prisma, “são o preço que pagamos por ter sentimentos morais – sentimentos valiosos pelas oportunidades que criam em outras circunstâncias” (M. Ridley). Assim, quando fazemos doações anônimas, ajudamos indigentes e pedintes ou cooperamos gratuitamente com instituições, desejamos inspirar confiança e ganhar prestígio mostrando nossa capacidade de altruísmo, além de apascentar a inata capacidade de culpa.

Somos naturalmente predispostos a aprender a cooperar, a distinguir o egoísta traiçoeiro do leal, a dividir o trabalho, a granjear boa reputação e fazer trocas de produtos e informações. Pessoas solidárias são o que são porque tal disposição lhes faculta somar forças com semelhantes, em benefício de todos. Tolerância, justiça, compaixão e altruísmo são virtudes que desencorajam o egoísmo, fortalecem compromissos e colaboram com a evolução das sociedades. 

Por uma questão de utilidade e conveniência para o nosso bem-estar e sobrevivência, a época natalina é das mais propícias para instaurar uma breve trégua e reacender os bons instintos da nossa natureza. Numa demonstração de que somos de fato homens de boa vontade, merecedores de paz e gratidão, sentimo-nos de certa forma obrigados aos sentimentos e práticas de solidariedade que também apascentarão nossas consciências. A mendicidade aumentada das ruas serve bem a tal propósito.

Os pedintes, em geral, intuem a verdade do livre intercâmbio e transmitem lições a quem se dispõe a pensar, o que faz evocar comentário de Hobbes, a pretexto de esmola que dera a um mendigo: “Deu-me pena pensar na miserável condição do velho; e minha esmola, que o ajudava um pouco, também me aliviou”. 

A cooperação subsiste como estratégia em nome do altruísmo digno de uma fé, da natureza instintiva ou da fria racionalidade da sobrevivência. Uma lógica que devemos considerar, seja para agradecer ao destino, ao acaso ou a Deus mediante a humana conveniência de práticas de cooperação que, felizmente, ultrapassam os natais. Um Feliz Natal a todos!