Delação premiada é prática inquisitorial. Na esteira de escândalos midiáticos recentes, alcaguetes, traidores e dedos-duros têm contado com o nosso beneplácito graças a este instituto jurídico.
Apesar da previsão legal da delação premiada remontar às Ordenações Filipinas, não faltam projetos de lei que tratam da renovação do tema sob a inspiração de ordenamentos estrangeiros. Propõem o benefício da redução da pena desde aos condenados, mas determinados à cooperação, até aos suspeitos que colaborarem com a apuração de crimes comuns ou contra o Sistema Financeiro.
Contrapondo-se às vantagens de ordem pragmática da delação, subsiste um rol de opiniões desfavoráveis que relacionam o instituto à insegurança jurídica, à arbitrariedade, à falência do Estado na apuração de crimes e à prevalência de leis infraconstitucionais em detrimento de dogmas consagrados. Para muitos, é questão de custo-benefício centrada em prova anômala que viola os princípios do contraditório e da isonomia mediante a homologação de acordos e interrogatórios realizados sem o crivo do contraditório, e a aplicação de penas diferentes para indivíduos com graus de culpabilidade semelhantes. Há ainda o risco de se subestimar provas ou de se acolher as contaminadas pelos sentimentos de vingança, ressentimento, ódio ou, simplesmente, pela incorporação dos traços fascistoides que grassam nas ondas de denuncismo. Ao invés da aplicação de justiça, o justiçamento “moderno”.
As maiores controvérsias da prática residem no universo moral. Diversamente do confessor espontâneo e arrependido, o delator troca informações, verdadeiras ou não, por prêmios. Não há interesse legítimo de colaboração, pesar, remorso, muito menos contrição, mas tão somente a recompensa pela perspectiva de diminuição ou liberação da pena. Ao delatado, mesmo o absolvido das sanções e reparações exigidas pela Justiça, sobra a frustrante missão de soerguer a personalidade, minimizar a desconfiança plantada no imaginário da sua coletividade e coexistir com efeitos colaterais indeléveis.
Nos interiores dos presídios ou das salas dos tribunais, a recusa moral e íntima é geral. A sociedade despreza a pessoa do delator, ao passo que o recompensa pelo usufruto das suas informações. Segundo Plutarco, César costumava declarar que amava as traições embora odiasse os traidores. A história ensina que, amiúde, a verdade real não é exatamente o que o delator oferece. No nosso inconsciente cristão perdura a cena de Judas Iscariotes perguntando ao chefe dos sacerdotes: “O que me dareis se eu o entregar?”.
Fonte: ConJur (07/11/2012)