A hipocrisia do anti-político


A percepção negativa da imagem dos políticos não é apanágio da nossa sociedade. Pesquisa realizada pela agência Reason-Rupe mostrou que 75% das pessoas nos EUA acham que todos os políticos são corrompidos por lobistas e doadores de campanha, e que 70% pensam que eles usam o seu poder para favorecer amigos e prejudicar adversários.

Apesar da imagem desfavorável que os políticos gozam mundo afora e das armadilhas maniqueístas que a vida partidária oferece aos incautos, a política é um ofício essencial às sociedades, especialmente as democráticas. Não custa lembrar que as normas que regem a vida nas comunidades têm origem na sociedade e não no Parlamento. Portanto, não podemos desistir da política como forma de discussão, expressão e deliberação dos direitos e deveres dos cidadãos – ela persiste como o meio viável de introdução de mudanças, ainda que eventualmente seja praticada por um sistema político-partidário enfermo. Daí ser preocupante quando um candidato paradoxalmente se posiciona contra a política e os políticos.

A muitos estarreceu o surgimento de um dos maiores fenômenos da nossa fabulação política convertido em bem-sucedida estratégia de marketing. Num contexto de descrédito generalizado dos políticos, a negação da sua função primordial pareceu a estratégia óbvia, embora nitidamente hipócrita, para capturar a desilusão e os anseios da população de uma moralidade extrínseca ao mundo político. Uma mostra do quanto o óbvio pode ser falso e pernicioso.

A retórica amena e focada na falácia do antipolítico – “Não sou político, sou gestor” – e nos valores do trabalho e da honestidade, superou previsões otimistas e conseguiu persuadir a maioria de um eleitorado volátil a aceitar a desestatização e o micro-Estado. De quebra, o estreante vitorioso ainda propiciou o lançamento do seu padrinho à presidência da República. 

Falácias são suscetíveis a contextos fragilizados, a exemplo da desvinculação do eleitorado dos partidos políticos, dos escândalos de corrupção seguidos das reiteradas ações da Lava Jato, da desestabilização da economia com taxas crescentes de desemprego, do impeachment recente e consequente derrocada do partido hegemônico, da debilidade geral do sistema partidário. Natural que, numa crise de tamanha magnitude, sobrevenha o aumento do fisiologismo e do descrédito na política, nos políticos e nos partidos. Fato estranho é o enaltecimento da negação da pessoa política por um político.

A despeito das taxas ascendentes de abstenção, de votos nulos e brancos que corroboram a falta de lideranças alternativas com credibilidade, a negação da política só propicia o surgimento de falsos redentores do caos, a ascensão das siglas nanicas, a hipertrofia da fragmentação partidária e um retorno conservador favorável à perpetuação da velha política e dos detentores dos cargos. Como observou Max Frisch, “quem não se ocupa de política já tomou a decisão política de que gostaria de ter se poupado: serve ao partido dominante”.

Não podemos ter uma visão condescendente em relação a contextos similares ao “me ne frego” (não me importo), um dos slogans do fascismo italiano – não me importo com os outros, com a lei, com a moralidade, com a sua opinião… A incapacidade coletiva de imaginar alternativas – planos de reconstrução da economia e de reforma do sistema político-partidário – é sinal da indigência política de um povo.

Tão oportuna quanto a conhecida frase de Brecht – “O pior analfabeto é o analfabeto político” – persiste a lição de Platão quanto ao castigo que pagamos pela indiferença aos assuntos políticos: sermos governados pelos inferiores.