A boa-fé conspurcada


Se, há um ano, o Conselho da Seccional local da OAB relutou quanto à forma de eleição para a vaga do quinto constitucional no Tribunal de Justiça, havendo optado por um arranjo chamado, curiosamente, de “semi-direto” que culminou na escolha do Desembargador do Tribunal de Justiça, desta feita, para a ocupação da vaga destinada ao quinto no Tribunal Regional do Trabalho, não teve quaisquer escrúpulos em quebrar decantada promessa de campanha e decidiu pela eleição fechada. 

Entre inconformados, céticos, desapontados, apáticos, desiludidos, frustrados ou enganados com as propostas não cumpridas, acham-se não só adversários circunstanciais da última campanha, mas, sobretudo, ativos militantes das chapas que se uniram para alçar o comando do atual Conselho. São aqueles que ainda discordam quanto ao uso de estratagemas ardilosos e autoritários que só atentam contra a história da instituição. Porque, impossível não pensar no paradoxo existente entre tais posturas opressivas e o passado político recente da Ordem. Passado inconciliável com votações secretas, escolhas discriminatórias, priorização de interesses particulares, discursos contaminados por falácias, burla aos compromissos de campanha. A ser colhido, lastimável ônus de desrespeito aos colegas advogados, de subserviência a grupelhos de poder, de sacrifício a princípios éticos.

A título de consolo e justificativa, um pueril discurso de que na Ordem há 43% de democracia – a porcentagem de conselheiros que votaram na famosa criação “semi-direta” de escolha. Como se tal disfarce “democrático” lograsse dissimular a ambigüidade e impotência face uma totalidade representativa que, sim, deliberou soberanamente pela escolha fechada da lista sêxtupla. Lista que será não de nomes, mas de sobrenomes que, ao sabor da subjetividade, oportunismo e jogos ocultos de interesses distanciados daqueles defendidos pela classe, parece já estar marcada pela previsibilidade de uma escolha. 

Ao recusar o debate e se contrapor à prometida “consulta direta às bases”, o Conselho priorizou uma prática política conspurcada – fenômeno secreto e pejorativo, eivado de meios ilegítimos e escusos de forma a barganhar trocas e perpetuar grupos no poder. Nesta orientação, pouco importa o projeto democrático, desde que restrito à esfera discursiva. Desde que o discurso encerre a mera serventia de escamotear as intenções e prescrever a verdade. A serventia de dissimular o interesse com o desinteresse. De enganar segundo as regras. De cinicamente comprometer os “ingênuos”, aqueles que crêem em promessas.

Com isso, o Conselho soberano alçou a façanha de alijar o debate democrático em detrimento de credos particulares e partidários, turvar os limites entre os espaços público e privado, deturpar o poder político genuíno em prol de ações egoístas e dependentes dos interesses escusos de alguns de seus membros. Ainda, espera contar com a apatia crítica, a omissão e o conformismo de toda uma classe, cuja memória dos erros, alimentada por decisão tão importuna e desagregante , deve se sublevar e afinal exigir que, quem vence, quem governa, quem administra, sim, precisa não só dar explicações, mas respeitar pactos e compromissos. 

(Publicado no Diário de Natal, 28.01.2006)