O que esperar de uma maioria do Legislativo investigada, distanciada dos anseios populares? Quando o poder se vê ameaçado, sobrevém-lhe o desagravo, em geral agressivo e audacioso.
Já foi longe a pressão popular quando demoveu os nossos deputados da anistia para os crimes de caixa 2. Algumas alterações efetuadas no pacote contra a corrupção até que foram bem-vindas na contenção de métodos abusivos. Mas, inserir uma emenda que dispõe sobre crimes de abuso de autoridade de magistrados e membros do Ministério Público foi uma afronta politicamente imatura e oportunista, um desperdício do ensejo para diminuir o fosso existente entre os políticos e a sociedade.
Quase 70% dos deputados que votaram as medidas contra a corrupção aprovaram a emenda, já denominada por um dos procuradores da Lava Jato de “lei da intimidação”. Vingança, represália ou desforra, o substantivo que se pretenda dar, a resposta dos acuados era previsível. Sobretudo quando parcelas corporativas do Judiciário, aproveitando-se do medo instalado no Legislativo, usam o combate à corrupção como instrumento de chantagem para múltiplos propósitos.
Em busca de autopreservação, o corporativismo das casas políticas engendra tratativas de obstrução de Justiça, alterações legislativas, retaliações. Aqui e no resto do mundo. Os envolvidos, maioria pertencente às elites políticas e administrativas, costumam legitimar as práticas corruptas e raramente se veem como culpados.
O juiz Piercamillo Davigo, da suprema corte italiana, um dos promotores da operação Mãos Limpas, disse que “a repressão de criminosos tem o efeito provocado pela ação de um predador: melhora as habilidades da presa”. Na Itália, o legado da operação foi frágil, em parte devido à aprovação de medidas para reduzir a autonomia do Judiciário. Hoje, a corrupção é percebida como mais difusa e difícil de ser detectada.
Apesar dos méritos da Lava Jato, sua retórica torna imperceptível para as massas a relativização de direitos conquistados. Sob o pretexto de combater o crime com mais eficiência e celeridade, viola-se a Carta. Os fins perseguidos, por mais nobres e socialmente relevantes, não deveriam justificar o uso de meios desvirtuados – operações midiáticas, condenações antecipadas, prisões preventivas sem limites temporais. A autoridade ilimitada concedida a um Poder, cedo ou tarde o transforma em arbitrário.
Erram os deputados quando, oportunisticamente, intimidam o Judiciário; erram os procuradores quando ameaçam a sociedade com “renúncia coletiva”. Resta-nos manter a esperança na luta pela introdução de mudanças, ainda que praticadas por um sistema imaturo.